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Os meus medos

por A Pipoca Mais Doce, em 08.05.13

Há um episódio do Sexo e a Cidade do qual me lembro frequentemente. Bom, há muitos de que me lembro, se não mesmo de todos, mas este ficou-me aqui a remoer. É quando a Samantha está num café com a Carrie a falar-lhe do cancro da mama e a Carrie passa o tempo todo a tranquilizá-la, a dizer que vai ficar tudo bem, que se vai curar. E a Samantha pede-lhe que pare e que a deixe falar dos seus medos, daquilo que a aterroriza na doença. Eu sei que o papel dos amigos é esse: oferecer-nos um ombro, passar-nos a mão no pêlo, garantir que tudo vai correr pelo melhor, que estupidez, é claro que tudo vai correr pelo melhor. Mas às vezes era bom que alguém ouvisse as nossas preocupações, aquelas que estão lá no fundinho do coração, no lado mais negro do espírito. E eu tenho algumas (várias, muitas) em relação à gravidez/maternidade.

 

Feliz ou infelizmente, casei com a pessoa mais optimista do mundo, a pessoa que vê sempre o copo meio cheio, a pessoa que é incapaz de sofrer por antecipação, a pessoa que se recusa a traçar um cenário mais negro. E se isso é bom na maioria das vezes, outras há em que chateia. Incomoda. Porque às vezes é bom sermos confrontados com todas as hipóteses, mesmo as mais duras. Lembro-me que quando na ecografia dos cinco meses a médica detectou uma possível malformação nas veias pulmonares do puto, fiquei imediatamente em pânico. Foi a uma quinta-feira e só consegui marcar ecocardiograma para a segunda seguinte. Pelo meio, um ataque de pânico: e se o bebé não estiver bem? E se tiver um problema cardíaco? E se não sobreviver? E se, e se, e se? Como sempre, o homem parecia não me ouvir. Que era um disparate, que de certeza que não era nada, que não valia a pena estar já a stressar, depois de se ir ao médico logo se via. Mas não era isso que eu queria ouvir. Eu queria um plano, uma solução  para o caso de as coisas correrem efectivamente mal. Depois, afinal, estava tudo bem, mas naquela altura eu precisava que alguém me mostrasse o outro lado, o lado negro. E quem diz esta situação específica diz qualquer outra relativa à gravidez. Nunca ninguém me deixa falar daquilo que realmente me atemoriza. O impulso é sempre para acalmar os meus medos, desvalorizá-los, procurar uma perspectiva mais optimista. Eu agradeço, a sério, mas também gostava que alguém percebesse que esta coisa toda da gravidez e da maternidade está longe de ser só rosas, e sonhos fofinhos, e a perspectiva de uma vida plena de felicidade. Não! Não é só isso. E se ninguém me deixa falar, então escrevo aqui, que para alguma coisa me tem de servir ter um blog:

 

1- Tenho medo de quinar durante o parto. O problema é ver demasiadas Anatomias de Grey e, de vez em quando, o programa da Fátima Lopes. Estou sempre a esbarrar em casos destes. E a coisa assusta-me muito. E se o meu coração for fraquito e não aguentar? E se me esvair em sangue? E se apanhar uma daquelas infecções fatais? Também tenho medo de morrer algures no processo da gravidez e nunca vir a conhecer o Mateus. Eu sei, são pensamentos mesmo obscuros, mas eu avisei.

 

2- Medo de partos prematuros. Uma vez mais, a Anatomia de Grey não ajuda. Sempre que sinto uma pontada mais forte ou uma dor diferente, lá fico eu a tremer e a achar que o puto já está a querer sair. Só estou grávida de 25 semanas, sei que a partir daqui a taxa de sobrevivência vai sendo cada vez maior, mas não estou preparada para ter um filho e espetarem com ele, minúsculo, numa incubadora, todo cheio de fios e máquinas assustadoras. Conheço alguns casais que tiveram bebés prematuros e sei que é uma luta diária e que, muitas vezes, se arrasta por meses (já para não falar das possíveis sequelas).

 

3- Medo do parto, seja ele qual for: normal ou cesariana. Desconfio que vou ser a primeira mulher a dizer "desisto, chega desta brincadeira, empurrem o puto lá para dentro outra vez e ficamos assim, amigos como sempre".

 

4- Medo das doenças. Há tanta coisa que pode correr mal neste processo complicadíssimo de gerar uma criança que eu acho absolutamente admirável que elas nasçam perfeitinhas e sem problemas. Passamos a vida a ouvir "o importante é que nasça perfeito", e achamos aquilo uma treta, uma coisa que se diz só por dizer, mas assim que engravidamos percebemos que é mesmo assim. Só quero que ele tenha tudo no sítio, a funcionar como deve de ser com os cinco sentidos, sem doenças raras e esquistas e dolorosas.

 

5- Medo de não gostar do bebé. TODA a gente me diz que isto não acontece, que não há memória de uma mãe não gostar da sua criança, mas e se acontecer? E se eu não criar nenhum laço com aquele ser? Se for só um estranho que me caiu nos braços e de quem, a partir de agora, tenho de cuidar? Ainda há dias estava a ler um livro sobre gravidez que diz que se começarmos com maus instintos relativamente à criança é melhor procurar logo ajuda psicológica. Oh-meu-Deus! Maus instintos COMO? Vontade de o atirar pela janela? De o beliscar? E se eu tiver esses maus instintos?

 

6- Medo de gostar tanto ao ponto de me tornar uma obcecada incapaz de perceber que há mais mundo (conheço vários casos).

 

7- Medo de não fazer a mínima ideia de como tratar do miúdo. Neste momento não tenho mesmo qualquer ideia de como é que se trata de uma criança, nem sequer lhes sei pegar, por isso temo o que aí vem. Dizem que é instintivo, que com o nosso sabemos, que é diferente, que parece que já nascemos ensinadas, mas eu não sei se é bem assim. E se o deixar cair? E se lhe partir um braço ao vesti-lo? E se o deixar escorregar no banho? E se lhe passar um qualquer alimento para as mãos e ele se engasgar? E se adormecer e não o ouvir numa situação de aflição?

 

8- Medo da privação do sono. Até agora desconheço o que isto seja, mas tenho medo, muito medo de ficar maluca com a falta de sono. Impedir as pessoas de dormirem é uma das torturas mais antigas. E se eu ficar louca?

 

9- Medo de nunca mais ter tempo para nada. Agora, de forma consciente, eu sei que QUERO ter tempo para isto e para aquilo. Sei que VOU arranjar tempo para continuar a ter uma vida para além da maternidade. Mas isso é o agora. E o depois? Será que vou conseguir? Será que a criança não me vai absorver a 300% ? Será que não me vou anular em todos os sentidos? Será que o casamento sobrevive?

 

10- Medo de não ser capaz de lhe proporcionar a vida que imagino. Sei o dia de hoje, desconheço o de amanhã (mesmo que me vá precavendo). E se eu ou o pai (ou ambos) deixarmos de ter trabalho? E se ficarmos sem dinheiro? E se não lhe puder garantir os cuidados básicos de saúde, educação ou alimentação? Se não o puder vestir adequadamente? Se não tivermos como pagar uma casa? 

 

11- Medo de não conseguir educar um ser humano decente, e bom, e justo. Lembro-me do filme "We Need to Talk About Kevin", com a criança mais malvada que já alguma vez se viu, e penso que é fácil falhar na educação (ou então são os genes que já vêm estragados). Há tantos modelos, tantas alternativas, tantas teorias e pedagogias, como é que vou saber qual a melhor, a mais correcta, a mais acertada?

 

Enfim, estes são alguns dos meus medos. De certeza que, se pensasse bem, encontraria mais meia dúzia, mas também não quero desmotivar as grávidas que me possam estar a ler, ou mesmo as leitoras que andem a pensar em engravidar. Longe de mim assustar-vos, até porque tenho a certeza que haverá para aí futuras mamãs que não são assoladas por nada disto. Mas eu tenho medos, acredito que fazem parte do processo, e acho que é bom exteriorizá-los. Não passo os dias obcecada com isto, a maior parte do tempo vivo de espírito alegre e na ilusão de que vai ser tudo uma maravilha, mas às vezes... às vezes lá vem a voz da consciência. E é nessa altura que me dá para textos como este.

 

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publicado às 21:49


1 comentário

De D a 08.05.2013 às 23:35


Estou, neste momento, com 39 semanas.
Muito próxima de enfrentar todos esses medos e mais alguns.
Compreendo perfeitamente o que diz! Ainda bem que não sou a única ;)

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