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Ontem:
- Papá, tu usas gel?
- Não, porquê?
- Mas é para meninos, não é?
- Sim... as meninas também podem usar, mas é mais para meninos.
Silêncio.
- Amanhã vai estar frio?
- Sim, em princípio vai. É Inverno.
- E tenho de usar gorro?
- Depende do frio. Se não estiver assim muito frio não é preciso.
Silêncio.
Hoje de manhã:
- Papá, hoje está muito frio?
- Não. Quando fui com o Manolo à rua estava sol.
- Então não preciso de levar gorro.
- Não.
- Então podes pôr-me gel e espetares-me o cabelo?
- Hmmm... posso... mas porque é que queres fazer isso?
Silêncio.
Nesta fase temi que me viesse com a conversa dos Cristianos Ronaldos ou dos Justin Biebers.
- Porque é assim que usa o menino do "Paranorman".
Ufas.
É bom sentir que as referências dele ainda são infantis e não juvenis. Mas lá chegaremos.
É quando nos estamos a preparar para o nascimento de um filho que mais tempo temos para pensar nas referências que lhes queremos dar, no modelo que procuramos e que entendemos ser o mais adequado. Desenvolvemos teorias sobre uma série de coisas que gostaríamos que acontecessem, mas que, inevitavelmente, serão diferentes depois de eles nascerem. E acho muito bem que assim seja.
Eu acho que aprendi e eduquei-me a observar. Na fase crítica do meu crescimento, na construção dos valores e da personalidade, tive o azar de não ter a meu lado uma pessoa que cumprisse com esse papel e me mostrasse um caminho certo, válido. Tive de o descobrir sozinho, de olhar à minha volta e perceber o que estava certo e o que era errado. Uns anos mais tarde, tive uma ajuda fundamental dos meus avós maternos, que me ensinaram regras, que me ofereceram a estabilidade que nunca consegui ter até aos 13 anos. Fui integrado num núcleo familiar grande, onde pude absorver valores, referências e constuir de forma sólida a minha personalidade.
Nada me foi imposto, nada foi feito com gritos ou palmadas, tudo aconteceu com naturalidade e liberdade. Acredito, também, que se isso aconteceu foi porque todos perceberam que eu estava a ir no caminho certo, que não era um miúdo problemático, que cumpria e aceitava regras, que tinha boas notas, que era aplicado e honesto.
Sobretudo agora, falamos lá em casa muitas vezes sobre o que gostávamos de ensinar ao nosso filho, das regras que achamos importantes impor-lhe, do tipo de educação que lhe queremos dar.
Por experiência de vida, e enquanto pai, defendo que o mais importante que tudo é impor uma disciplina, estabelecer limites, e, depois, dar-lhe liberdade para irem construindo a sua personalidade, empurrados pelos nossos exemplos, as nossas sugestões e o nosso próprio carácter.
Muito mais do que um polícia dos filhos, um pai (no sentido amplo) deve ser um exemplo, alguém com uma infinita capacidade de amar um filho. Se ele sentir isso, se lhe forem dadas a ler, a ver, a ouvir, o que os pais entendem ser as melhor coisas para a construção de um gosto pela cultura, então, acredito que a probabilidade de se gerar um filho feliz é muito maior.
A cultura ajuda-nos a pensar, dá-nos referências, abre-nos mundo, e, hoje, um miúdo que saiba pensar tem meio caminho feito para ter sucesso.