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Quando dei por mim estava a gritar. Saiu-me assim, um "aaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhh", vindo do nada. Não foi bem "do nada". Foi fruto de duas horas a ouvir o Mateus berrar como nunca. Quando dei por mim estava a gritar. Foi só um grito, só um "aaaaahhhhhhhhhhh", assim mesmo, "aaaaaaaaaahhhhhhhhhh". Saiu-me. Foi involuntário. Um bocadinho alto demais. Só um grito. Ele não deu por nada. Pelo menos, nem o meu berro calou o dele. Mas saiu-me, sem querer. Quando dei por mim estava a gritar. E o meu marido, ao meu lado no sofá, olhou para mim como se eu tivesse enlouquecido. Acho até que deu um ligeiro salto, do susto. Não foi de propósito. Saiu-me. Foi o desespero, a impotência de já não saber o que fazer. Quando dei por mim... estava a gritar. E se não tivesse gritado, seguramente estaria desfeita em lágrimas. Gritei com o Mateus. Já foi há dias e ainda me dói. Porque ele não tem culpa. Porque as cólicas são umas filhas da puta que lhe arrancam um choro quase até ao sufoco. Quando dei por mim estava a gritar e não me consigo esquecer. Já lhe pedi desculpas. Já lhe expliquei que vou dar o melhor de mim para não voltar a gritar, mas acho que isso é mais ou menos o mesmo que tentar fazer dieta. A boa vontade está lá, mas nem sempre vai dar para cumprir. E isso chateia-me. Acredito que, ao longo da vida, muitos gritos me irão escapar. E tenho medo que ele não perceba. Que não perceba que nem sempre a culpa vai ser dele (às vezes também vai ser), que nós, adultos, temos vidas chatas e complicadas e que, às vezes, a tendência é para descarregar em quem está mais à mão. Gritei-lhe porque estava cansada, porque mal tinha dormido, porque já tinha tentado tudo e nada o calava, e o choro cada vez mais forte, e mais dentro dos ouvidos e do cérebro. Não que esteja à procura de desculpas para mim mesma. Gritei e pesou-me mais a mim do que ele. Nessa noite levantei-me várias vezes para o espreitar a dormir. Estiquei a mão para lhe fazer festinhas devagar, sem o acordar, mas queria mesmo era arrancá-lo do berço e obrigá-lo a falar, para dizer que não estava chateado, que já tinha passado e que eu não sou uma mãe má. Hoje fui à Fnac comprar um livro para mim e acabei por trazer um para ele. Quero começar a fazer-lhe uma biblioteca logo desde pequenino. Trouxe o "Quando a Mãe Grita", a história de uma "pinguina" que grita ao seu filho. E assusta-o tanto que ele acaba desfeito, com todas as partes do corpo espalhadas pelo mundo. O final é feliz, a mãe pinguina pede desculpa e o pinguim perdoa. Trouxe o livro, já o li ao Mateus e escrevi-lhe uma dedicatória para ler daqui a alguns anos. Porque eu até poderei gritar, mas no final serei sempre a pinguina que estará lá para os abraços e para o pedido de desculpas.