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Ainda as células

por A Pipoca Mais Doce, em 29.05.14

Antes de o Mateus nascer falei-vos aqui sobre o tema da preservação das células estaminais do cordão umbilical, sobre as minhas dúvidas em fazê-lo ou não. Na altura pesquisei a fundo sobre o assunto e acabei por fazer um "P&R" bastante completo, que espero que tenha ajudado muita gente a decidir-se. A nós ajudou, e acabámos mesmo por fazer. Fizemos, está feito, não pensámos mais no assunto. Está lá, as células do Mateus estão guardadas algures num banco de células (que eu imagino ser assim uma coisa fumegante, onde as células vivem felizes e quentinhas) e espero que fiquem lá para sempre, que nunca venhamos a precisar de as utilizar, porque seria mau sinal.

 

Muito se fala sobre isto das células. Se serão ou não úteis, se serão ou não benéficas, se terão ou não algum resultado prático em caso de doença. As opiniões dividem-se. Há os cépticos que argumentam que ainda se sabe muito pouco do assunto e que foram poucos os casos em que as células foram aplicadas com sucesso. E há os esperançosos e crentes como eu, que acreditam que a ciência está sempre em evolução e que a relidade de hoje não será a mesma da daqui a 10, 15 ou 20 anos, pelos que acredito que ainda há muito para descobrir sobre este tema. Para mim funcionou como uma espécie de seguro. Fiz na esperança de nunca vir a precisar dele, mas fiz também como apaziguador de consciência. Se algum dia acontecer alguma coisa, quero ter esta porta aberta, mesmo que se venha a revelar infrutífera. Prefiro isso do que viver na dúvida eterna, na culpabilização, no "ah, não fiz e devia ter feito".

 

Optámos pela Crioestaminal por váiros motivos. Por ser o banco nacional mais antigo e também o maior, por ser o único banco da Península Ibérica com uma acreditação internacional (o que é garantia de qualidade) e por, como expliquei na altura, ter sido de todas as empresas aquela que melhor respondeu às nossas questões. Não nos dourou a pílula, não nos fez achar que era tudo espectacular e milagroso. Foram pragmáticos, explicaram-nos o potencial da recolha das células, mas também as suas limitações, e gostámos disso. Ouviram-nos, responderam-nos, mas depois deixaram-nos totalmente à vontade para decidirmos o que queríamos fazer. E a nossa decisão foi avançar. Compreendo quem não o faça. O processo é caro e há quem o veja como um investimento a fundo perdido, sobretudo por achar que isto é tudo um grande engodo. Eu espero que seja um investimento a fundo perdido, é sinal de que nunca vou precisar de recorrer ao banco de células, mas não acho que seja o engodo. Praticamente todos os países têm bancos públicos (de momento não sei se o português está a funcionar, quando o Mateus nasceu só faziam recolhas no hospital de S. João, no Porto) e acredito que ainda há mesmo muito por explorar no que toca à aplicação das células em tratamentos de doenças. Na maioria dos casos, estamos a falar de doenças raras, que podem ser fatais, e as células do cordão umbilical poderão vir a ser úteis no seu tratamento.

 

Independentemente de se decidir avançar ou não para a recolha das células, acho que todos os pais que estejam minimamente interessados no assunto devem fazer algum trabalho de casa. Não decidam só porque a amiga A fez ou porque o amigo B acha que é uma fraude. Informem-se, informem-se e informem-se, contactem todas as empresas do ramo, façam todas as perguntas e mais algumas, falem com pediatras e outros profissionais de saúde, leiam sobre o assunto. É óbvio que vão encontrar muita contra-informação, é óbvio que vão encontrar opiniões totalmente diferentes (mesmo entre profissionais), mas acho que só com toda a informação na mão se pode decidir o que fazer.

 

Relembro-vos algumas perguntas obrigatórias que devem fazer aos bancos de recolha que contactarem:

 

- Qual é o nível de experiência no armazenamento de amostras? Desde quando está em funcionamento? Quantas amostras têm armazenadas?

- Tem laboratórios próprios? Está autorizado pelas entidades competentes nacionais (DGS-ASST) para exercer a sua actividade?

- Tem experiência na libertação de amostras para uso clínico? Se sim, quantas amostras já foram libertadas e para que situações?

- Possui alguma acreditação específica para a criopreservação do sangue do cordão umbilical (AABB/FACT)?

- O laboratório tem algum programa de estabilidade para monitorizar, ao longo do tempo, as condições em que as amostras são armazenadas? São utilizadas amostras de clientes para esses testes?

 

Tenho perfeita noção de que este não é um tema consensual e não quero, de forma alguma, condicionar a vossa escolha. Quero apenas que pensem um bocadinho no assunto e que, como referi, se informem e decidam, em consciência, o que fazer. Ao longo do tempo tenho recebido mails de leitoras a perguntarem-me se devem ou não avançar para o preservação das células, mas não me cabe a mim dar-lhes essa resposta. Eu fiz, achei importante e a única coisa que posso fazer é contar a minha história e partilhar a informação que recolhi, mas depois cada um terá de decidir por si.

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publicado às 20:04


6 comentários

De Mariana a 29.05.2014 às 22:15

Como sabe nem sempre as próprias células servem. Não acha egoísta e injusto que o Mateus (bater na madeira) possa procurar um dador num banco publico (com células de quem doou) mas as células do Mateus não estejam disponíveis para mais ninguém (e também podiam salvar vidas) ?
Já pensou o que aconteceria se toda gente guardasse no privado e não houvesse dadores disponíveis, para os casos em que as próprias células não servem (a maioria)?
Já pensou se em vez de doarmos sangue o guardassemos de forma privada e porque é que isso não é permitido em lugar nenhum do mundo?
Quando a medicina conseguir lá chegar e as células salvaram realmente vidas acha que será permitido a criopreservacao privada?
Apenas questões que também fiz a mim própria e me ajudaram a decidir.

De Sara V. a 29.05.2014 às 23:45

Ana, como alguém que trabalha na área, só queria fazer um pequeno à parte de uma coisa que reaprei no texto. Referiu que na maior parte dos casos em que as células são usadas são em doenças raras, mas é importante referir que essas tais doenças raras, quando ocorrem na infância tem uma grande probabilidade de adevir de um factor genético, à partida existente em todas as células do corpo, o que impossibilitaria o uso dessas células do cordão umbilical.

Outra coisa que gostava de referir é que estas células são células estaminais hematopoiéticas, que se podem diferenciar em todos os elementos da linhagem sanguínia mas que fora disso tem muita pouca aplicação e o seu estudo em outras áreas é muito limitado.

Pode ser muito útil, portanto, em leucemias, linfomas, anemias, "doenças do sangue" mas fora disso são um tiro no escuro.

Apenas decidi comentar porque acho importante as pessoas terem esta informação. As vezes como se fala da coisa parece que se o filho tiver algum problema elas curam tudo e não é bem assim....

De Maria Duarte a 30.05.2014 às 09:28

Acho que é mais ou menos como um seguro: sabemos que está lá, mas esperamos nunca ter de o utilizar.

De Isabel Prata a 05.06.2014 às 16:10

eu ia dizer outras coisas, mas os comentários acima já o fizeram melhor do que eu faria. Porque o que falta nas suas perguntas é "para que servem" e "porquê". Eu tive o meu 3º filho já na era células do cordão umbilical e, ironia, era até vizinha de um dos criadores da crioestaminal e, pelas razões, acima apontadas não fiz a recolha.

já agora, as células não estão muito quentinhas, mas antes muito geladinhas.

De Maria a 07.06.2014 às 00:08

Eu acrescentaria outra pergunta: o que acontece às células se a empresa falir?

De Miguel Patrício a 07.06.2014 às 03:24

Tambėm passamos por esse dilema. Não sei, nunca fui rico... no momento de decidir, muitas vezes pensei "se tivesse dinheiro, nem tinha de decidir... simplesmente avançava e não se falava mais nisso". Mas também poderia viver com um outro peso na consciência, o de estar a financiar uma fraude que explora o amor dos pais por um filho, o medo e a incerteza (lembram-se daquele anúncio polėmico que passava na TV e que acabou por ser retirado?) ... sei lá.
Muito pesquisamos sobre o assunto, assistimos a palestras, conversamos com a obstetra, a enfermeira do curso de preparação para o parto (gratuito no centro de saúde) com amigos e familiares. Fizemos "contas à vida" e concluimos que apesar do enorme esforço financeiro, esse gasto não ia fazer com que faltassem fraldas nem nada essencial ao nosso pimpolho.
Também optamos pela Crioestaminal pelos mesmos motivos apontados pela pipoca. E claro, espero nunca vir a precisar de activar esse serviço.
Agora falta-me uma informação que considero importante (se alguém aqui souber responder), será possivel doar-mos parte da amostra a terceiros? Como se de um banco publico se tratasse?

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